quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A Dama no Lago


   Em “A Dama no Lago” (Lady in the Lake) um filme noir de 1947, o diretor Robert Montgomery (Do Lodo Brotou Uma Flor; O Amanhecer da Glória; Nascida Para Amar) ousou e obteve sucesso. Talvez não como gostaria, pois o filme não obteve sucesso de público na época de seu lançamento, porém, seja de maneira positiva ou negativa, o filme nunca deixa de ser citado, no que diz respeito ao seu estilo narrativo, que foi inegavelmente inovador.
   Robert Montgomery inovou ao contar a história do detetive Phillip Marlowe (interpretado pelo próprio Robert Montgomery), um detetive particular contratado pelo editor Darece Kigsby (Leon Ames) para encontrar sua esposa, a qual um mês antes, enviou-lhe um telegrama, dizendo que estava indo ao México casar-se com um homem chamado Chris Lavery (Dick Simmons), porém tendo sido visto recentemente pelo próprio Kigsby em Hollywood, Lavery demonstra desconhecer a viagem ao México. Marlowe então inicia sua investigação na casa de campo da família ao lado de um lago.
   Baseado no livro de Raymond Chandler, a investigação de Marlowe, de um caso aparentemente corriqueiro, complica-se bastante quando várias pessoas, relacionadas ao caso, começam a ser assassinadas. Mas a inovação cinematográfica da obra, veio no tipo de narração escolhido por Montgomery, que coloca a câmera, a qual representa a visão do detetive Marlowe, como um personagem fundamental na trama. E nos permite ir descobrindo junto cm o detetive todos os mistérios iniciados a partir de sua investigação. O que permite que o espectador interaja de certa forma com a trama desenvolvida, o que por outro lado também a deixa um tanto quanto lenta, mas de maneira alguma entediante, afinal de contas, trata-se de um filme noir.
   O que talvez tenha ofuscado um pouco o brilho dessa inovadora pérola narrativa seja o fato de que ao longo da trama, percebemos que ao contrário de nós, espectadores, Marlowe é um narrador oniciente dos fatos. Isso pode ser percebido a partir de interferências do próprio Marlowe na narrativa da obra, intervenções essas, nas quais ele deixa de ser o observador dos fatos e passa a dirigir-se diretamente ao espectador da obra, direcionando-nos aos fatos seguintes.
   As características do gênero noir na obra são inegáveis. A presença dos contrastes, claro e escuro, as locações tanto externas quanto internas, as personagens femininas sempre tão marcantes, expressivas e fundamentais na obra, a trilha sonora pouco presente, porém determinante e o silêncio, igualmente bem utilizado. “A Dama no Lago” nos apresenta a um diretor talvez pouco conhecido, mas totalmente consciente sobre como utilizar bem a câmera a favor de um roteiro, não original, mas igualmente bem desenvolvido.

Salma Nogueira.
   

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Nascido Para Matar


    Como de Stanley Kubrick, não se pode esperar nada menos que genial, ele não nos decepciona em mais um filme de guerra, na sua pouco extensa filmografia que consagra sua brilhante carreira de quase 50 anos como cineasta. Conhecido por ser extremamente exigente e perfeccionista, Kubrick sabia muito bem o que queria e como alcançar o que buscava em seus filmes, o que demandava um árduo trabalho, tanto de sua equipe técnica quanto de seus atores. Mas se Stanley Kubrick, era famoso por seu estilo de filmar, não se pode dizer o mesmo quanto ao seu estilo de filme. Kubrick brilhou, em diversos gêneros cinematográficos, drama, suspense, romance, guerra, ficção científica, ação, aventura e tantos outros, sempre com a mesma competência.
    “Nascido Para Matar” (Full Metal Jacket), de 1987, o penúltimo filme do diretor, não é apenas um filme de guerra, é uma crítica a ela. Logo no início do filme, acompanhamos uma longa seqüência, bem ao estilo do mestre, em que vários rapazes têm suas cabeças raspadas, e nos deparamos com o primeiro choque da guerra, a perda da identidade. Identidade essa, readquirida posteriormente, através de humilhantes denominações, atribuídas aos rapazes pelo nada gentil Sargento Hartmann (R. Lee Ermey). As humilhações verbais acabam tornando-se brandas após o exaustivo treinamento e as nada éticas lições discorridas pelo fascista, machista e intolerante Sargento Hartmann, o que nos leva a segunda evidência da guerra, a alienação.
    Aos poucos acompanhamos a transformação dos garotos em máquinas de guerra. Nem mesmo os que se mostram mais destemidos frente ao cruel treinamento, são reconhecidos ou menos humilhados. Como é o caso do recruta Joker (Matthew Modine) ou do inteligente recruta Cowboy (Arliss Howard). O que dirá o gorducho e medroso recruta Pyle (Vincent D'Onofrio), suas trapalhadas eram o principal motivo do constante desgosto do Sargento Hartmann, o que por sua vez, prejudicava o pelotão inteiro. E quando finalmente consegue destacar-se em alguma coisa, já era tarde de mais, a mente fraca do rapaz já tinha cedido aos infortúnios da guerra.
   No segundo momento do filme a guerra começa de fato para quem sobrevive ao impiedoso treinamento para tornar-se um fuzileiro naval. E a guerra, todos dizem, é a do Vietnã, mas que diferença isso faz? Kubrick, mais uma vez é brilhante, pois não dá rosto ao inimigo, podendo essa, ser qualquer guerra, isso é indiferente na obra. Desde o começo esses jovens rapazes já foram derrotados, seja pelo estado, que prega o patriotismo e o amor à nação, mas é indiferente as precárias condições de vida de seus combatentes, ou pelo horror do treinamento que não ensina a morrer por um ideal que eles mesmos desconhecem, só a matar por prazer um inimigo cujo o único erro tenha sido nascer  em um país que está em guerra contra os EUA .Esses rapazes já não são os mesmo da cena inicial do filme, e jamais voltarão a ser e assim acabam por tornarem-se seus próprios inimigos.
     Utilizando-se de locações reais, as ruínas que são o plano de fundo das batalhas, não são cenográficas, Kubrick nos apresenta a guerra, como ela é de fato, sem engrandecer o nacionalismo americano, sem o patriotismo exacerbado corriqueiro em filmes do gênero. Entre tantas contradições que ironizam a própria guerra, como Joker, que usa um botton da paz no peito e um capacete onde se lê “Born to Kill”, que acabou intitulando a obra, quando esta foi traduzida para o português, ao invés do nome original “Full Metal Jacket” que faz referência ao tipo de munição usada no Vietnã, em que o projétil é revestido por chumbo. Há ainda a figura da mulher, que na hora da morte, reza, após ser tão subjugada durante todo filme, revela-se como a inesperada algoz do mesmo. E entre tantas perdas físicas, psicológicas, emocionais, ao fim da guerra fica a pergunta: Quem perdeu menos?


     Salma Nogueira.

O Cinema e o Público


   Há quem seja contra a sistemática cineclubista (Filme + Debate), argumento: “Eu não vou dividir com os outros, o que eu não precisei deles para aprender, tudo que sei é porque aprendi sozinho, fruto de minha própria curiosidade.”. Há também quem seja contra os filmes legendados, argumento: “Se eu quiser ler, fico em casa lendo um livro, não vou ao cinema". E por sua vez, logicamente, há quem seja contra os filmes dublados, mas esse não precisa de argumentos, basta assistir a um filme dublado para entender, salvo claro, algumas exceções.
   Mas quando o assunto é cinema, o que não há?! Por ser uma arte tão democrática, o cinema consegue satisfazer vário públicos, dentro, claro, da área de interesse de cada um. Todo dia diversos filmes são produzidos, idealizados, lançados, exibidos em todo mundo e a demanda por mais filmes, é crescente. Aos fins de semana entrar na fila para comprar um ingresso no horário desejado, nos cinemas comerciais da cidade de Belém é uma verdadeira aventura e há quem saia descontente, ou porque não comprou o ingresso para a sessão pretendida, ou para o filme desejado. Há também quem nem conseguiu comprar o ingresso ou até desistiu do mesmo. É, nem sempre o cinema é a maior diversão, não?
     Paralelo a essa disputa pelo melhor lugar nas sessões dos grandes blockbusters, há na cidade uma explosão de cineclubes.  Os cineclubes trazem uma alternativa tentadora aos amantes da sétima arte. Em filmes com apenas uma sessão e com entrada franca, os amantes do cinema arte, tem a oportunidade de conhecer ou rever raridades do cinema, clássicos cinematográficos imortais, em sessões geralmente quinzenais. Mas as opções são diversas, de modo que há semanas onde é possível assistir um filme por dia, cada dia em lugar diferente, lugares diversos, em várias partes da cidade de Belém. Filmes estes, geralmente seguidos de debates, os quais nos motivam a voltar e a exigir sempre mais do cinema. O retorno é garantido, basta saber o que e onde procurar.
    Tem sensações que só o cinema tem o poder de nos submeter, se não como explicar que filmes como “Do mundo nada se leva” de Frank Capra (A Felicidade Não se Compra, Aconteceu Naquela Noite) um filme de 1938 e “O Mágico de Oz” de Victor Fleming (E o Vento Levou, Marujo Intrépido) um filme de 1939, consigam emocionar tanto uma sala inteira de cinema a ponto de serem aplaudidos ao fim de ambas as sessões. Ainda mais levando em consideração que a primeira película é em preto e branco e foi exibida em 2009 na Sessão Cult organizada pela ACCPA em parceria com o Cine Líbero Luxardo e na segunda, exibida em 2010 na programação especial de aniversário de 98 anos do Cine Olympia, a maioria dos espectadores presentes na sala de projeção eram crianças. Mesmo concordando em parte com uma fala do personagem de Leo G. Carroll, no Filme “Intriga Internacional” do mestre Alfred Hitchcock (Um Corpo que Cai, Psicose): “O mundo é um inferno. Mesmo quando é frio.”, em uma sala de projeção eu me sinto muito perto do paraíso.
      


                                                                                   Salma Nogueira.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Amor à Flor da Pele


   “Amor à Flor da Pele” (In The Mood For Love) é a mais bela fotografia da grandiosidade e sutileza do cinema oriental. Essa película de 2000, dirigida pelo chinês Wong Kar-Wai (Amores Expressos, Cinzas do Passado), nos conta uma história que se passa na década de 60, protagonizada por um jornalista, o Sr. Chow (Tony Leung Chiu-Wai) e uma secretária, a Sra. Chan (Maggie Cheung Man-Yuk). Vizinhos que se mudam exatamente no mesmo dia e hora para uma tumultuada pensão em Hong Kong. Ambos são casados, porém igualmente sozinhos, tentando manter ambos os matrimônio, sem a equivalente participação dos respectivos companheiros. Pelo menos é o que parece, analisando ambas as relações a partir do ponto de vista do Sr. Chow e da Sra. Chan.
      A começar pela belíssima música de Nat King Cole, a qual se torna recorrente a partir de certo momento dos aproximadamente noventa minutos de projeção, não tanto quanto a igualmente bela “Yumeji’s Theme”, que acompanha os personagens do início ao fim da obra, nada no filme se apresenta com absoluta certeza. Tudo é incerto e questionável, por isso: “Quizás, quizás, quizás”... Em seguida vem a suspeita de que possivelmente o marido da Sra. Chan e a esposa do Sr. Chow, estivessem tendo um caso, a partir de evidências praticamente irrefutáveis e absurdamente coincidentes, porém completamente incertas. Ao Sr. Chan e a Sra. Chow, também não são dadas feições, de ambos só se ouve a voz e tem-se o conhecimento de que estão sempre viajando a trabalho. Eles podem ser qualquer um, tal articulação foi brilhantemente pensada para não desviar o foco dos protagonistas da obra.
       A câmera parece estar sempre à espreita do casal que diz não querer cometer os mesmo erros dos cônjuges infiéis. Como se esperasse o exato momento em que esse tal amor visivelmente à flor da pele, extrapole toda e qualquer barreira e torne-se manifesto, causando até mesmo tensão no espectador, principalmente quando o encontro entre eles se dá em estreitos corredores ou em solitários quartos que de maneira nenhuma se tornam cúmplices de um envolvimento mais que amistoso entre os protagonistas. A Sra. Chan permanece inabalavelmente envolta em seus elegantes e polidos vestidos, enquanto o Sr. Chow continua invariavelmente engravatado, faça sol ou chuva, ambos sempre a imaginar e até mesmo encenar como a possível relação entre seus companheiros teria começado.
       Wong Kar-Wai não foge aos moldes do cinema oriental, com a bela fotografia de Christopher Doyle e uma narrativa lenta e contida, de maneira a esconder o que é tão evidente, mas que talvez os personagens tentem negar para eles mesmos, para não se deixar trair por seus sentimentos. O amor continua à flor da pele e assim permanece mesmo com afastamento dos protagonistas, até porque não precisa ultrapassar esse limite e fica eternizado em tímidas trocas de olhares, nos sutis gestos de carinho trocados pelos personagens, na agradável companhia um do outro, nas breves conversas e longos momentos silenciosos. O sábio silêncio, sempre tão presente no cinema oriental, simplesmente porque, nada precisa ser dito, pois o sentimento mesmo que contido, é real.
     Em meio a uma cidade super populosa, duas almas igualmente solitárias se encontraram e foram felizes em segredo. Segredo esse, que permanece eternizado no momento em que o Sr. Chow se dirige até um templo milenar, as ruínas de Angkor Wat, para contar um segredo, que, segundo a tradição, se fosse dito em um buraco e depois fechado com lama, lá permaneceria guardado, eterno. Quizás com o tempo esse segredo se torne apenas uma agradável lembrança, quizás pareça um sonho, quizás um grande amor que podia ter sido, mas permaneceu eternizado.


Salma Nogueira.


*Texto dedicado a Imara Antunes.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Meu Pé Esquerdo


   O que se deve fazer, quando se nasce com uma deficiência cerebral a qual só permite o controle do pé esquerdo? Sendo que tal situação ocorreu em uma família pobre, que no caso do filme está situada na Irlanda. Quando ao nascer os médicos dizem a sua mãe que nada de bom deve ser esperado de um filho que passará sua vida toda em estado vegetativo? O que se deve fazer quando um pai não aceita ter um filho diagnosticado, como deficiente, o que o pai associa a incapacidade? Esses todos e muitos outros questionamentos são trazidos pelo filme “Meu pé esquerdo” (My Left Foot), dirigido pelo irlandês Jim Sheridan (Em Nome do Pai; Terra dos Sonhos), um filme de 1989.
    Há que ser gênio para vencer tantas dificuldades e superar tantas barreiras? Não, não necessariamente, há apenas que se encontrar uma nova forma de comunicação, o que acredito ser o tema central da obra. Essa solução aparentemente simples nos é apresentada no filme por Christy Brown, personagem central dessa bela história, que foi relatada pelo próprio Christy em sua autobiografia intitulada: “Meu pé Esquerdo”. No filme Christy é interpretado maravilhosamente por Daniel Day-Lewis (O Último dos Moicanos; Sangue Negro), atuação que lhe rendeu prêmios como BAFTA, o Globo de Ouro e o Oscar.
    A película de cerca de cem minutos de duração, conta a história de vida de Christy em flashbacks, a partir da leitura de sua autobiografia, pela enfermeira Mary Carr(Ruth McCabe), que deveria apenas cuidar de Christy por algumas horas, enquanto este aguarda uma homenagem em um ato beneficente promovido por Lord Castlewelland (Cyril Cusack) em sua residência. Mas Mary acaba ganhando um novo significado na vida de Christy, pouco depois.
    Nascido em 1932, em uma família de cerca de dez filhos, Christy Brown, só queria provar para todos, inclusive para ele mesmo, que ao contrário do que alegava o pai (Ray McAnally), sua capacidade não era limitada por sua deficiente, o que sua mãe (Brenda Fricker), nunca duvidou. Ao longo do filme, acompanhamos a briga constante de Christy com seu próprio corpo, em busca de uma forma de expressão, que lhe permitisse ser compreendido e mostrar que também compreendia o mundo a sua volta. Técnica posteriormente aprimorada pela doutora Eileen Cobe (Fiona Shaw).
    Essa louvável luta em busca da comunicabilidade, negada pelo próprio corpo é recorrente no cinema e muitas vezes baseada em histórias reais. Como no filme “O Escafandro e a Borboleta” de 2007, filme dirigido por Julian Schnabel, baseado na autobiografia de Jean-Dominique Bauby, o qual após sofrer um derrame aos 43 anos, utilizava apenas os movimentos do olho esquerdo para se comunicar. Ou mesmo do filme “Jonnhy Vai à Guerra” de 1971, dirigido por Dalton Trumbo, que conta a história do sofrimento de um soldado ferido na Primeira Guerra Mundial, que ao perder todos os  seus membros e toda e qualquer forma de expressão passa a se comunicar a partir de seu conhecimento sobre o código morse. Tal história também foi baseada em um livro, o qual Trumbo adaptou ao cinema, sem o apoio de Hollywood.
     E mesmo dominando os movimentos apenas de seu pé esquerdo, Christy Brown, salva a vida da mãe, faz gols, pinta obras que posteriormente ilustrarão sua autobiografia, a qual também é digitada pelo seu pé esquerdo. Ajuda a mãe a assentar tijolos, para cumprir uma antiga promessa de que Christy teria um quarto só seu, inicia uma briga em um bar, de maneira a honrar a memória do pai. Enfim, o filme nos apresenta a um homem que não deixou de amar, nem de sofre, rir ou chorar devido a sua deficiência física, um homem que não se deixou abater pelo que os outros acreditavam que a ele não era cabível. Muito pelo contrário, acredito que ao fim do filme, ficamos a nos perguntar o Christy não era capaz de fazer.

    
 Salma Nogueira.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Sonhos


   

       Enquanto David Lynch (O Veludo Azul, O Homem Elefante) nos revela seus mais perturbadores pesadelos no filme “Eraserhead”, Akira Kurosawa nos presenteia com seus mais belos sonhos no filme denominado simplesmente de “Sonhos”. O filme de 1990 é composto por oito episódios independentes, mas que de certa forma se relacionam com certa dose de poesia e beleza. Tais episódios têm as seguintes denominações, respectivamente: “Brilho do Sol Través de Chuva”; “O Pomar do Pêssego”; “A Tempestade de Neve”; “O Túnel”; “Corvos”; “Monte Fuji em Vermelho”; “O Demônio Chorão” e “A Aldeia de Água”.
    Sonhos, é um dos últimos filmes dirigidos por Kurosawa em seus 50 anos de carreira, com produção norte-americana, destaque para Steven Spielberg (A Lista de Schindler, E.T – O Extraterrestre). Após ter visto sua obra ser incompreendida pelo público japonês, o diretor tenta o suicídio em 1971, mas o luminoso (Akira = “O Luminoso” em japonês) Kurosawa ainda tinha muito que fazer pelo cinema arte. “Um desses salmões, não vendo outro caminho, empreendeu uma longa jornada para subir um rio soviético e dar à luz algum caviar. Assim surgiu meu filme Dersu Uzala em 1975. Nem eu penso que seja essa uma coisa ruim. Mas o mais natural, para um salmão japonês, é pôr seus ovos em um rio japonês”. Referindo-se ao fato de que sempre se considerou um “Salmão, que jamais esquece o lugar que nasce”. Em 1946 o governo japonês reconhece a contribuição de Kurosawa à cultura.
    Talvez por tudo isso que se passou na vida do mestre, a morte esteja tão presente em todos os oito episódios que compões o filme “Sonhos”. O que se confirma com palavras do próprio diretor: “Não há nada que diga mais respeito de um criador do que sua própria obra”. Nessa obra Kurosawa também homenageia seu grande ídolo, o pintor pós-impressionista Vincent Van Gogh, interpretado no filme pelo também cineasta Martin Scorsese (Táxi Driver, Touro Indomável), dedicando um dos episódios (Corvos) inteiramente a ele, episódio no qual, o personagem, alter ego de Kurosawa, caminha entre os dourados campos de trigo sob a sombra dos negros corvos pintados por Van Gogh. Dando-nos uma pequena amostra de um desejo, manifesto, porém irrealizado, filmar a biografia do pintor holandês.
     Mas o que prende inteiramente nossa atenção durante as quase duas horas de projeção, é a belíssima fotografia dirigida por Kazutami Hara Saitô e Masaharu Ueda. Algumas cenas parecem verdadeiros quadros pintados à mão. Kurosawa explora muito os planos gerais e nos embriaga com tantas cenas belas. Não tem a menor pressa em nos mostrar as intempéries vividas por um grupo de homens exaustos à procura de seu acampamento no episódio “A Tempestade de Neve”. E se todo mundo fala tanto das famosas cores de Almodóvar (Fale com Ela, Tudo Sobre Minha Mãe), nesse filme eu ressalto as cores de Kurosawa, que tem uma linguagem prórpia e falam por si só, aliadas a igualmente bela trilha sonora dirigida por Shinichirô Ikebe, lembrando que o silêncio funciona muito bem como trilha sonora também. Quanta sensibilidade, pura arte em movimento. Kurosawa tentou a carreira de artista plástico, mas foi reprovado na Escola de Belas-Artes.






Salma Nogueira.




terça-feira, 4 de maio de 2010

Gritos e Sussurros



   Ambientação da primeira cena do filme: a neblina, o jardim, a casa, os relógios (vários deles) a irmã que dorme na sala ao lado e a irmã enferma. E assim tem início mais uma obra de arte do genial diretor sueco Ingmar Bergman com a belíssima fotografia de Sven Nykvist. Nessa película de 1972 Bergman abusa da cor vermelha e dos closes para nos mostrar a fria relação entre três irmãs, Karin (Ingrid Thulin), Maria (Liv Ullmann) e Agnes (Harriet Andersson), esta última, sofre, devido ao câncer terminal e tem como criada Anna (Kari Sylwan), a qual cuida da enferma com notável zelo e carinho.
    Os relógios são os carrascos de Agnes, dando a ela cada vez menos tempo de vida e a nós mais tempo de closes torturantes. Não que haja algum problema em encarar as interpretações magistrais que Bergman sempre conseguia extrair de suas atrizes, mas é como se invadíssemos a intimidade das irmãs. As cenas esvaem-se em fade outs de um vermelho vibrante, vermelho esse que inicia a próxima cena, que entra em fade in. O mesmo vermelho que dá vida a casa, predominante em todos os ambientes e contrasta com as vestes em cores claras e por vezes mórbidas, preferidas pelas personagens.
    E como falar de Bergman sem falar nas questões existenciais presentes em todos os seus filmes e sempre muito bem abordadas? Enquanto joga xadrez com a personificação da morte de maneira a prolongar sua própria existência, Antonius Block (Max von Sydow) refletia sobre sua própria vida, em mais um brilhante filme de Bergman (O Sétimo Selo). Ao se deparar com a agonia dos últimos dias de Agnes, Karin e Maria também refletem sobre suas próprias vidas, seus matrimônios, suas inseguranças e infelicidades. E a morte de Agnes acaba aproximando as vidas separadas de suas irmãs.
     É importante ressaltar ainda a bela relação entre Agnes e Anna, a carinhosa e incansável Anna, que por tantas desventuras passou na vida, sempre tão presente, mesmo quando não requisitada, e cheia de zelo por Agnes. Mas quando se trata de Begman é difícil não ser injusta com uma obra tão cheia de aspectos que podem ficar na casa do não dito. Dono de uma mise em scène ímpar, Bergman sabia muito bem como utilizar cada elemento cinematográfico para expressar exatamente o que ele nos queria transmitir em suas obras. O silêncio é tão presente, tão fundamental e tão bem utilizado na obra, que parece até um personagem, sempre entrecortado por gritos de dor e sussurros renitentes.

Salma Nogueira.