quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Cidade no Cinema


A cidade sempre foi e acredito que sempre será significativa no cinema. O que diferencia os diversos pontos de vista lançados sobre a mesma em cada nova película que o tema tem significativa importância no desenrolar da história, é a maneira de representa-la e seu grau de interferência na vivência dos personagens representados. A exemplo disso temos o filme “Sinfonia de Paris” vencedor do Oscar de Melhor Filme em 1952, dirigido por Vincente Minnelli (Gigi, Agora Seremos Felizes) no qual o ex-soldado americano Jerry Mulligan, representado por Gene Kelly (Cantando na Chuva, Marujos do Amor), mudou-se para Paris e tornou-se pintor de quadros que retratam a cidade que tanto admira, e mesmo sem recursos para manter uma residência digna, este não se mostra nenhum pouco frustrado ou mesmo preocupado com a realidade que o cerca, muito pelo contrário, Mulligan distribui sorrisos e simpatia, se dizendo sortudo pelos amigos que cultivou na vizinhança em que vive.
No filme não presenciamos nenhum momento em que Mulligan tenha dificuldades para apreciar o maravilhoso desjejum parisiense, ou mesmo um sequer instante em que este se comporte de forma pouco ética, sobretudo quando cai nos encantos de Milo Roberts (Nina Foch), a viúva rica que por admirar o trabalho do pintor, o qual se mostra tão apegado a suas obras, por jamais acreditar que um dia venderia alguma de suas telas, decide patrociná-lo. Tudo isso pelo simples fato de ser um artista, habitante da encantadora Paris que tanto o comove. Situação contrária a de seu amigo, o concertista de piano desempregado Adam Cook (Oscar Levant), este sim, revela certo desprazer com a vida que leva na capital francesa.
Mas se Paris é bela em qualquer estação, o mesmo não se pode dizer de Buenos Aires no filme argentino “Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual” de Gustavo Taretto (2011). Em seu primeiro longa-metragem, Taretto confirma o que já era notável em seus curtas-metragens (Hoje Não Estou, Uma Vez Mais) um olhar apurado para captar a realidade urbana presente em toda grande cidade, sobretudo a dos países subdesenvolvidos. E por dominar tão bem a essência de todos os problemas que os grandes centros urbanos apresentam, Taretto logra o êxito de transformar a realidade em algo encantadoramente belo. No inicio do filme acompanhamos uma seleção de imagens que nos comprovam o que a narração do personagem Martín (Javier Drolas) afirma: o crescimento descontrolado e imperfeito de Buenos Aires, tal seleção e narração são concluídas com a ideia de que problemas tais como divórcios, falta de comunicação, depressão, suicídios, neuroses, obesidade, sedentarismo, entre outros tantos, são culpa dos arquietos e incorporadoras. Além do que, Martín afirma ser acometido por todos os problemas por ele enumerados, a exceção do suicídio.
Ao acompanhar o cotidiano, as preferências, gostos e fobias de Martín e Mariana (Pilar López de Ayala), só podemos ter a certeza que ambos se completam, e esperar o momento em que o encontro entre eles ocorrerá, e a vilania arquitetônica quase nos deixa sem esperanças. Mas se a arquitetura e o urbanismo separam, o mundo virtual une e renova nossas esperanças. Esse é o grande trunfo de “Medianeras”, fazer com que o espectador se reconheça na realidade proposta pelo filme e imagine que o mesmo pode se passar na sua própria vida. A proposta é atual e verossimilhante ao contexto de cidade que conhecemos e as relações virtuais que estabelecemos, a qual tem como grande vantagem o fluxo de informação e a infinidade de conhecidos, que não se limitam mais ao seu bairro, escola, círculo familiar ou de amigos, as possibilidades são indeterminadas, o mesmo não se pode dizer do contado, limitado aos sentidos da visão e audição.
E quando se fala em cidade, como não lembrar do conceito utilizado por King Vidor, em filmes como “A Turba” (1928) e “No Turbilhão da Metrópole” (1931) que recai sobre as relações sociais estabelecidas nos centros urbanos, por vezes pouco amistosas e muito competitivas, tornando-se muitas vezes indissociáveis  ao simples habitar determinado local. Semelhante ao que ocorre em “O Homem ao Lado” (2009) longa-metragem argentino dos também estreantes Gastón Dupra e Mariano Cohn, no qual o designer bem-sucedido Leonardo (Rafael Spregelburg), que habita, juntamente com sua família, a única edificação de caráter residencial projetada pelo arquiteto modernista francês Le Corbusier em toda América, projeto de 1948. Criador do conceito da “Máquina de Morar”, o qual pregava que a casa deveria ser bonita e confortável, mas também lógica, funcional e eficiente, perfeitamente apta para atender às necessidades dos ocupantes. Conceito suplantado pelos arquitetos contemporâneos (não somente argentinos), segundo a dramática narração de Martín no filme “Medianeras” referido acima.
Mas “O Homem ao Lado” não quer nos tornar empáticos nem a causa do arrogante e prepotente Leonardo, muito menos a causa de Victor (Daniel Aráoz), vizinho inconveniente e grosseiro que tenta de toda maneira rasgar uma janela em uma das paredes de sua casa, a qual tiraria toda privacidade da residência de Leonardo, mas lhe traria os raios de sol que tanto alega desejar desfrutar. Nesse jogo de interesses divergentes, nenhum dos dois em momento algum se apresenta de forma simpática ao espectador, que não consegue estabelecer uma relação de identificação, fazendo com que toda aquela situação seja apenas cômica, pois Leonardo se apresenta cada vez mais desprezível e Victor cada vez mais absurdo. E levando em consideração que em geral, a caracterização cenográfica das cidades no cinema, tende a nos transmitir ou complementar características dos personagens ou simples estados de espírito, vemos exemplos fantásticos da relação cinema e arquitetura ou urbanismo e o quanto essa relação pode nos possibilitar películas geniais ou não.

Salma Nogueira.