A sinopse do último filme de Woody Allen “Meia-Noite Em Paris” (Midnight in Paris, 2011), não deixa pista alguma a cerca da bela surpresa que nos espera. Com uma extensa carreira, de mais de quarenta anos e uma dinâmica produção, com lançamentos anuais, o próprio Woody Allen diz não se considerar um artista, pois afirma não ter a profundidade e a substância requeridas, principalmente se seu trabalho for comparado com nomes como Bergman, Fellini, Buñuel ou Kurosawa, por exemplo. Mas afirma saber fazer filmes, sendo que alguns deles saem bons, outros saem melhores e alguns piores, e quando o assunto é a longevidade de sua carreira, afirma apenas ter sorte.
“Meia-Noite Em Paris” nos conquista mesmo antes dos cinco minutos de projeção, mostrando uma Paris encantadora seja sob sol, chuva ou ao cair da noite, acompanhada ainda de uma trilha sonora tipicamente parisiense. E como se ainda fosse possível, o filme só cresce e nos envolve de maneira que os cem minutos de duração do longa, passam de maneira tão agradável que deixam um gostinho de quero mais. E aos amantes de arte em geral, sobretudo cinema e literatura, fica a certeza da competência de Woody Allen, ao escrever e dirigir um filme encantador e cheio de surpresas, que só nos deixam mais ansiosos para as cenas que se seguem.
O longa nos apresenta a Gil Pender, vivido por Owen Wilson, ator pouco celebrado pelos fãs de Woody Allen, mesmo com sua já fidelizada parceria com o diretor Wes Anderson (Os Excêntricos Tenenbaums; O Fantástico Senhor Raposo), um dos grandes nomes do cinema atual norte-americano. Em “Meia-Noite Em Paris”, Owen Wilson tem a responsabilidade de desenvolver o já consagrado personagem dos filmes de Woody Allen, antes interpretado pelo próprio. E Owen Wilson não decepciona e nos coloca diante do escritor frustrado - porém mais contido, pouco tagarela - fascinado pela cidade de Paris, sobretudo quando chove, para desgosto de sua noiva Inez (Rachel McAdams) que de maneira alguma pensa em deixa Nova York para viver em Paris, como deseja Gil.
Após uma longa seqüência de cortes que nos permitem passear por lugares encantadores da cidade de Paris, Woody Allen nos coloca diante da paisagem retratada nas deslumbrantes pinturas de Monet e Gil visita ainda por duas vezes a escultura em bronze “O Pensador” de Rodin. Talvez por se identificar com uma das esculturas mais famosas do mundo, que pretende retratar um homem em meditação que luta contra uma poderosa força interna. E como em um conto de fadas as avessas, após a meia-noite, Gil pode reviver a Paris da década de 1920, encontrando figuras as quais admira como os escritores Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e sua esposa Zelda Fitzgerald, o músico Cole Porter, os surrealistas Salvador Dalí, Luis Buñuel e Man Ray, o pintor Pablo Picasso e sua musa e amante Adriana (Marion Cotillard), ex-amante dos pintores Modgliani e Braque, diga-se de passagem.
Gil logo se vê encantado pela bela Adriana e busca formas de conquistá-la. Adriana por sua vez, é fascinada pela Belle Epóque, e quando ambos retornam para 1890, encontrando figuras como T.S. Eliot e Toulouse Lautrec, Adriana se vê tão encantada que decide que ali deseja permanecer. Todo deslumbre anterior é questionado a partir da bela constatação sobre a insatisfação das pessoas, sobretudo os jovens, com sua própria geração. E em meio à moda vintage, retrô, kitsch... mas também de maneira bastante otimista, Woody Allen mais uma vez nos faz refletir sobre nós mesmos. Com uma fotografia deslumbrante, uma trilha sonora impecável, como já é de praxe na rica filmografia de Woody Allen, e um elenco afiado e completamente entrosado, Woody Allen nos permite sonhar e a desejar infinitamente uma meia-noite em Paris como as de Gil Pender, mas também nos faz reconhecer que a realidade pode ser igualmente maravilhosa.
Salma Nogueira.