A cidade
sempre foi e acredito que sempre será significativa no cinema. O que diferencia
os diversos pontos de vista lançados sobre a mesma em cada nova película que o
tema tem significativa importância no desenrolar da história, é a maneira de
representa-la e seu grau de interferência na vivência dos personagens
representados. A exemplo disso temos o filme “Sinfonia de Paris” vencedor do
Oscar de Melhor Filme em 1952, dirigido por Vincente Minnelli (Gigi, Agora
Seremos Felizes) no qual o ex-soldado americano Jerry Mulligan, representado por
Gene Kelly (Cantando na Chuva, Marujos do Amor), mudou-se para Paris e
tornou-se pintor de quadros que retratam a cidade que tanto admira, e mesmo sem
recursos para manter uma residência digna, este não se mostra nenhum pouco
frustrado ou mesmo preocupado com a realidade que o cerca, muito pelo
contrário, Mulligan distribui sorrisos e simpatia, se dizendo sortudo pelos
amigos que cultivou na vizinhança em que vive.
No filme
não presenciamos nenhum momento em que Mulligan tenha dificuldades para apreciar
o maravilhoso desjejum parisiense, ou mesmo um sequer instante em que este se
comporte de forma pouco ética, sobretudo quando cai nos encantos de Milo
Roberts (Nina Foch), a viúva rica que por admirar o trabalho do pintor, o qual
se mostra tão apegado a suas obras, por jamais acreditar que um dia venderia
alguma de suas telas, decide patrociná-lo. Tudo isso pelo simples fato de ser
um artista, habitante da encantadora Paris que tanto o comove. Situação
contrária a de seu amigo, o concertista de piano desempregado Adam Cook (Oscar
Levant), este sim, revela certo desprazer com a vida que leva na capital
francesa.
Ao
acompanhar o cotidiano, as preferências, gostos e fobias de Martín e Mariana (Pilar López de Ayala),
só podemos ter a certeza que ambos se completam, e esperar o momento em que o
encontro entre eles ocorrerá, e a vilania arquitetônica quase nos deixa sem
esperanças. Mas se a arquitetura e o urbanismo separam, o mundo virtual une e
renova nossas esperanças. Esse é o grande trunfo de “Medianeras”, fazer com que
o espectador se reconheça na realidade proposta pelo filme e imagine que o
mesmo pode se passar na sua própria vida. A proposta é atual e verossimilhante
ao contexto de cidade que conhecemos e as relações virtuais que estabelecemos,
a qual tem como grande vantagem o fluxo de informação e a infinidade de
conhecidos, que não se limitam mais ao seu bairro, escola, círculo familiar ou
de amigos, as possibilidades são indeterminadas, o mesmo não se pode dizer do
contado, limitado aos sentidos da visão e audição.
E
quando se fala em cidade, como não lembrar do conceito utilizado por King
Vidor, em filmes como “A Turba” (1928) e “No Turbilhão da Metrópole” (1931) que
recai sobre as relações sociais estabelecidas nos centros urbanos, por vezes pouco
amistosas e muito competitivas, tornando-se muitas vezes indissociáveis ao simples habitar determinado local. Semelhante
ao que ocorre em “O Homem ao Lado” (2009) longa-metragem argentino dos também estreantes
Gastón Dupra e Mariano Cohn, no qual o designer
bem-sucedido Leonardo (Rafael Spregelburg), que habita, juntamente com sua
família, a única edificação de caráter residencial projetada pelo arquiteto
modernista francês Le Corbusier em toda América, projeto de 1948. Criador do
conceito da “Máquina de Morar”, o qual pregava que a casa deveria
ser bonita e confortável, mas também lógica, funcional e eficiente,
perfeitamente apta para atender às necessidades dos ocupantes. Conceito suplantado
pelos arquitetos contemporâneos (não somente argentinos), segundo a dramática
narração de Martín no filme “Medianeras” referido acima.
Salma Nogueira.