sábado, 8 de junho de 2013

Depois da Terra



A um certo tempo, muitas das críticas relacionadas ao nome M. Night Shyamalan, dizem respeito a perda de qualidade das produções do diretor e roteirista indiano. Para alguns desde “A Dama na Água” (Lady in the Water, 2006) Shyamalan vem decaindo, para outros, no entanto, o único filme de qualidade do diretor seria “O Sexto Sentido” (The Sixth Sense, 1999). Quando na verdade, com exceção de “O Último Mestre do Ar” (The Last Airbender, 2010) o qual não recebe roteiro original do diretor, Shyamalan só demonstra uma evolução e apuração de técnica, o que não é perceptível a olhos que procuram no cinema nada mais que o óbvio.

Em “A Vila” (The Village, 2004) a campanha de divulgação do filme que passava em meio a anúncios publicitário da TV aberta, alertava algo como “Não conte a ninguém a final do filme”, despertando no espectador uma curiosidade instigante, curiosidade que se tornou decepção, pois mesmo diante de um desfecho tão inesperado e inimaginável quanto o proposto pelo filme, onde o Shyamalan brilhantemente quebra a narrativa fantástica e direciona o espectador ao mundo real, rompendo a expectativa dos fãs dos gêneros suspense e terror, ao quais ao não saber dar crédito ao estilo de Shyamalan, simplesmente classificaram o filme como ruim, mesma situação que ocorreu antes com o filme “Sinais” (Signs, 2002).

Em “Fim dos Tempos” (The Happening, 2008), Shyamalan se aproxima mais da proposta de “Depois da Terra” (After Earth, 2013), cria uma situação fantástica que proporciona o caos, a qual de maneira alguma representa a narrativa principal do filme, apenas a contradição de onde quer chegar. Em “Fim dos Tempos”, estamos diante do casal Elliot Moore (Mark Wahlberg) e sua esposa Alma (Zooey Deschanel), que visivelmente passam por uma crise no casamento, enquanto o mundo é tomado por uma “epidemia”, na qual após apresentar sintomas como falar coisas sem nexo, e perda do controle dos sentidos as pessoas começam a cometer suicídios coletivos. Shyamalan então propõe o caos para “encobrir” o drama do casal, que em meio à aflição e o medo de perder o outro a qualquer momento, redescobrem-se enquanto casal e buscam a sobrevivência.

“Depois da Terra” segue a mesma premissa, porém nessa produção os humanos habitam outros planetas e utilizam facilmente o espaço como via de transporte, uma vez que tudo no planeta Terra evoluiu para eliminar a raça humana. Nesse contexto, a nave onde estão o general Cypher Raige (Will Smith) e seu filho Kitai (Jaden Smith) – frustrado por não dar ao pai ausente e autoritário, a notícia de que havia se tornado um ranger, cargo no exército no qual seu pai possui notório destaque – é obrigada a fazer um pouso forçado no planeta Terra, em que da tripulação apenas Cypher e Kitai sobrevivem, porém como seu pai está gravemente ferido, Kitai deve buscar em um planeta, para ele, desconhecido, o sinalizador que restabelecerá a comunicação com o planeta em que vivem, caso contrário, pai e filho não sobreviverão.

Kitai que se destacava nos exercícios individuais, porém não na simulação de combate, deve seguir sozinho, porém sob a orientação do pai, que através de câmeras dispostas na roupa especial de Kitai, acompanhará todos os movimentos do filho além de poder prever os possíveis predadores que se aproximam. O roteiro óbvio, não surpreende, o que não faz com o filme perca qualidade, pois na verdade a situação fantástica de “Depois da Terra”,  se contrapõe, não a reaproximação entre pai e filho como em “Fim dos Tempos”, mas a busca pelo autoconhecimento pela qual Kitai é obrigado a vivenciar, uma vez que, devido um acidente perde a comunição com o pai e é obrigado a seguir os próprios instintos e a vencer o orgulho, motivado pela busca da sobrevivência.

E a busca solitária de Kitai, além de conquista o respeito do pai, Cypher, prova que Jaden Smith não cresceu apenas em estatura, e que, para o cinema, deixou de ser o filho de Will Smith, para ser o ator Jaden Smith. O filme é dele, e o ator não decepciona. Além das atuações destaca-se a direção de arte e o figurino, propondo uma imagem futurista onde o mundo continua touch e com imagens em 3D, pois disso não se pode fugir, mas com estruturas construtivas simples, as quais parecem até artesanais, dando um visual inovador a produção, bem como as vestimentas dos personagens, quando não pressupõe uma situação de combate. Shyamalan mais uma vez não decepciona quem tem olhos para ver que seu cinema vai muito além do óbvio, vai muito além das imagens que transmite ou do roteiro que parece não surpreender, as histórias de Shyamalan nos falam de pessoas que poderiam ser e são como nós, no cotidiano, essa é a beleza das produções desse diretor e roteirista que a cada nova produção, apurou tanto sua técnica, que faz com que o todo se pareça nada.


quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Cidade no Cinema


A cidade sempre foi e acredito que sempre será significativa no cinema. O que diferencia os diversos pontos de vista lançados sobre a mesma em cada nova película que o tema tem significativa importância no desenrolar da história, é a maneira de representa-la e seu grau de interferência na vivência dos personagens representados. A exemplo disso temos o filme “Sinfonia de Paris” vencedor do Oscar de Melhor Filme em 1952, dirigido por Vincente Minnelli (Gigi, Agora Seremos Felizes) no qual o ex-soldado americano Jerry Mulligan, representado por Gene Kelly (Cantando na Chuva, Marujos do Amor), mudou-se para Paris e tornou-se pintor de quadros que retratam a cidade que tanto admira, e mesmo sem recursos para manter uma residência digna, este não se mostra nenhum pouco frustrado ou mesmo preocupado com a realidade que o cerca, muito pelo contrário, Mulligan distribui sorrisos e simpatia, se dizendo sortudo pelos amigos que cultivou na vizinhança em que vive.
No filme não presenciamos nenhum momento em que Mulligan tenha dificuldades para apreciar o maravilhoso desjejum parisiense, ou mesmo um sequer instante em que este se comporte de forma pouco ética, sobretudo quando cai nos encantos de Milo Roberts (Nina Foch), a viúva rica que por admirar o trabalho do pintor, o qual se mostra tão apegado a suas obras, por jamais acreditar que um dia venderia alguma de suas telas, decide patrociná-lo. Tudo isso pelo simples fato de ser um artista, habitante da encantadora Paris que tanto o comove. Situação contrária a de seu amigo, o concertista de piano desempregado Adam Cook (Oscar Levant), este sim, revela certo desprazer com a vida que leva na capital francesa.
Mas se Paris é bela em qualquer estação, o mesmo não se pode dizer de Buenos Aires no filme argentino “Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual” de Gustavo Taretto (2011). Em seu primeiro longa-metragem, Taretto confirma o que já era notável em seus curtas-metragens (Hoje Não Estou, Uma Vez Mais) um olhar apurado para captar a realidade urbana presente em toda grande cidade, sobretudo a dos países subdesenvolvidos. E por dominar tão bem a essência de todos os problemas que os grandes centros urbanos apresentam, Taretto logra o êxito de transformar a realidade em algo encantadoramente belo. No inicio do filme acompanhamos uma seleção de imagens que nos comprovam o que a narração do personagem Martín (Javier Drolas) afirma: o crescimento descontrolado e imperfeito de Buenos Aires, tal seleção e narração são concluídas com a ideia de que problemas tais como divórcios, falta de comunicação, depressão, suicídios, neuroses, obesidade, sedentarismo, entre outros tantos, são culpa dos arquietos e incorporadoras. Além do que, Martín afirma ser acometido por todos os problemas por ele enumerados, a exceção do suicídio.
Ao acompanhar o cotidiano, as preferências, gostos e fobias de Martín e Mariana (Pilar López de Ayala), só podemos ter a certeza que ambos se completam, e esperar o momento em que o encontro entre eles ocorrerá, e a vilania arquitetônica quase nos deixa sem esperanças. Mas se a arquitetura e o urbanismo separam, o mundo virtual une e renova nossas esperanças. Esse é o grande trunfo de “Medianeras”, fazer com que o espectador se reconheça na realidade proposta pelo filme e imagine que o mesmo pode se passar na sua própria vida. A proposta é atual e verossimilhante ao contexto de cidade que conhecemos e as relações virtuais que estabelecemos, a qual tem como grande vantagem o fluxo de informação e a infinidade de conhecidos, que não se limitam mais ao seu bairro, escola, círculo familiar ou de amigos, as possibilidades são indeterminadas, o mesmo não se pode dizer do contado, limitado aos sentidos da visão e audição.
E quando se fala em cidade, como não lembrar do conceito utilizado por King Vidor, em filmes como “A Turba” (1928) e “No Turbilhão da Metrópole” (1931) que recai sobre as relações sociais estabelecidas nos centros urbanos, por vezes pouco amistosas e muito competitivas, tornando-se muitas vezes indissociáveis  ao simples habitar determinado local. Semelhante ao que ocorre em “O Homem ao Lado” (2009) longa-metragem argentino dos também estreantes Gastón Dupra e Mariano Cohn, no qual o designer bem-sucedido Leonardo (Rafael Spregelburg), que habita, juntamente com sua família, a única edificação de caráter residencial projetada pelo arquiteto modernista francês Le Corbusier em toda América, projeto de 1948. Criador do conceito da “Máquina de Morar”, o qual pregava que a casa deveria ser bonita e confortável, mas também lógica, funcional e eficiente, perfeitamente apta para atender às necessidades dos ocupantes. Conceito suplantado pelos arquitetos contemporâneos (não somente argentinos), segundo a dramática narração de Martín no filme “Medianeras” referido acima.
Mas “O Homem ao Lado” não quer nos tornar empáticos nem a causa do arrogante e prepotente Leonardo, muito menos a causa de Victor (Daniel Aráoz), vizinho inconveniente e grosseiro que tenta de toda maneira rasgar uma janela em uma das paredes de sua casa, a qual tiraria toda privacidade da residência de Leonardo, mas lhe traria os raios de sol que tanto alega desejar desfrutar. Nesse jogo de interesses divergentes, nenhum dos dois em momento algum se apresenta de forma simpática ao espectador, que não consegue estabelecer uma relação de identificação, fazendo com que toda aquela situação seja apenas cômica, pois Leonardo se apresenta cada vez mais desprezível e Victor cada vez mais absurdo. E levando em consideração que em geral, a caracterização cenográfica das cidades no cinema, tende a nos transmitir ou complementar características dos personagens ou simples estados de espírito, vemos exemplos fantásticos da relação cinema e arquitetura ou urbanismo e o quanto essa relação pode nos possibilitar películas geniais ou não.

Salma Nogueira.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Soul Kitchen

        “Soul Kitchen”, filme de 2010 do diretor turco-alemão Fatih Akin (Conta a Parede; Do Outro Lado), é de um apuramento estético primoroso, que aliado a atuações descontraídas e pouco compromissadas com qualquer formalidade, dão o tom leve e bem humorado do filme. Zinos Kazantsakis (Adam Bousdoukos) é o dono do restaurante que recebe o nome de “Soul Kicthen”, pois Zinos é um grande apreciador da música soul, gênero musical com influencia do rhythm and blues e do gospel, tal estilo surgiu entre as décadas de 1950 e 1960 entre os negros norte americanos. Tal apreço é facilmente detectado, não unicamente pela magistral trilha sonora que rege o filme do inicio ao fim, a qual não é unicamente composta pelo gênero soul e deve-se ressaltar a bela presença de músicas gregas, mas também pela vestimenta e pela decoração da residência em vão livre, de Zinos.
      O grego com pouca prática culinária, ganha a vida com um cardápio a base de comida congelada, que ele próprio afirma não gostar, mas logra a satisfação dos clientes com pouco apuro gustativo que freqüentam seu estabelecimento diariamente. O restaurante emprega ainda os garçons Lutz (Lukas Gregorowicz) e Lucia (Anna Bederke), Zinos ainda “aluga” um pequeno galpão para o inquilino inadimplente Sócrates, que além que não pagar o aluguel, come a vontade no restaurante. Nesse contexto se desenrola um roteiro muito bem amarrado, cheio de altos e baixos que dão comicidade ao filme, como a proposta de Illias (Moritz Bleibtreu), irmão de Zinos, assaltante que cumpre pena em regime semi-aberto e precisa da ajuda do irmão de maneira a alegar que é um empregado (“de fachada”) do restaurante. Ou Shayn Weiss (Birol Ünel), chefe de cozinha contratado por Zinos quanto este fratura a coluna tentando deslocar a máquina de lavar louças que na verdade, as quebrava. Além de pendências financeiras com o governo, ainda há a insistência inconveniente de Thomas Neumann (Wotan Wilke Möhring) corretor imobiliário, ex-colega de escola de Zinos, que faz de tudo para prejudicar seus negócios, com o intuito de comercializar o prédio que abriga o restaurante que dá nome ao filme.
       Shayn dá um novo significado ao nome do estabelecimento, “Soul Kitchen” ou comida para a alma, alterando não só o cardápio, mas também o público que freqüenta o lugar. Todos ligados ao restaurante têm outros planos na vida, ambições altas demais que justificam a falta de interesse em fixar-se ali de maneira mais estável, mas ao longo do filme, todos se revelam invariavelmente dependentes do espaço, pelas relações, sobretudo sociais, que ali se estabelecem. Lutz é músico, e utiliza-se gratuitamente do espaço para os ensaios com sua banda, Sócrates passa horas, dia e meses a cuidar de um barco que, ao que tudo indica, jamais deixará aquele galpão para singrar mar algum ou qualquer água que seja. Lucia alega estar destinada a ser pintora profissional, Shayn diz ter experiência suficiente para não querer administrar um restaurante e apenas na cozinha permanecer, e em meio a tudo isso, Zinos precisa encontrar alguém para gerenciar o lugar, que de maneira alguma ele pretende vender, para mudar-se a Xangai, ao encontro da namorada Nadine (Pheline Roggan).
       Os problemas cercam o restaurante “Soul Kitchen” se misturando e confundindo com os problemas pessoais de Zinos, que por vezes parece estar em um beco sem saída. E Zinos, dança... Sim, porque assim recomendou a fisioterapeuta Anna (Dorka Gryllus), indicação da namorada Nadine, para ajudá-lo a amenizar as fortes dores de sente nas costas. A fotografia do filme é deslumbrante, tal qual a visão que Zinos tem da cidade alemã de Hamburgo, da janela de sua casa. A movimentação de câmera é de igual significância, original a ponto de acompanhar o ritmo da música que a banda de Lutz toca na primeira noite que o cardápio de Shayn é degustado com o mesmo respeito com que é preparado, e de dar um 360° nos irmãos Kazantsakis, que dançam sem se preocupar com o tempo que parece passar ao seu redor sem que os dois percebam. Por fim, “Soul Kitchen” é um filme que satisfaz a alma das pessoas que esperam mais do cinema, que ao fim do filme estão com uma gostosa sensação de bem estar, um leve sorriso no canto da boca, e um gostinho de quero mais enquanto acompanham os créditos dispostos de maneira original e criativa.  


Salma Nogueira.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Meia-Noite Em Paris




   A sinopse do último filme de Woody Allen “Meia-Noite Em Paris” (Midnight in Paris, 2011), não deixa pista alguma a cerca da bela surpresa que nos espera. Com uma extensa carreira, de mais de quarenta anos e uma dinâmica produção, com lançamentos anuais, o próprio Woody Allen diz não se considerar um artista, pois afirma não ter a profundidade e a substância requeridas, principalmente se seu trabalho for comparado com nomes como Bergman, Fellini, Buñuel ou Kurosawa, por exemplo. Mas afirma saber fazer filmes, sendo que alguns deles saem bons, outros saem melhores e alguns piores, e quando o assunto é a longevidade de sua carreira, afirma apenas ter sorte.

   “Meia-Noite Em Paris” nos conquista mesmo antes dos cinco minutos de projeção, mostrando uma Paris encantadora seja sob sol, chuva ou ao cair da noite, acompanhada ainda de uma trilha sonora tipicamente parisiense. E como se ainda fosse possível, o filme só cresce e nos envolve de maneira que os cem minutos de duração do longa, passam de maneira tão agradável que deixam um gostinho de quero mais. E aos amantes de arte em geral, sobretudo cinema e literatura, fica a certeza da competência de Woody Allen, ao escrever e dirigir um filme encantador e cheio de surpresas, que só nos deixam mais ansiosos para as cenas que se seguem.
     O longa nos apresenta a Gil Pender, vivido por Owen Wilson, ator pouco celebrado pelos fãs de Woody Allen, mesmo com sua já fidelizada parceria com o diretor Wes Anderson (Os Excêntricos Tenenbaums; O Fantástico Senhor Raposo), um dos grandes nomes do cinema atual norte-americano. Em “Meia-Noite Em Paris”, Owen Wilson tem a responsabilidade de desenvolver o já consagrado personagem dos filmes de Woody Allen, antes interpretado pelo próprio. E Owen Wilson não decepciona e nos coloca diante do escritor frustrado - porém mais contido, pouco tagarela - fascinado pela cidade de Paris, sobretudo quando chove, para desgosto de sua noiva Inez (Rachel McAdams) que de maneira alguma pensa em deixa Nova York para viver em Paris, como deseja Gil.
     Após uma longa seqüência de cortes que nos permitem passear por lugares encantadores da cidade de Paris, Woody Allen nos coloca diante da paisagem retratada nas deslumbrantes pinturas de Monet e Gil visita ainda por duas vezes a escultura em bronze “O Pensador” de Rodin. Talvez por se identificar com uma das esculturas mais famosas do mundo, que pretende retratar um homem em meditação que luta contra uma poderosa força interna. E como em um conto de fadas as avessas, após a meia-noite, Gil pode reviver a Paris da década de 1920, encontrando figuras as quais admira como os escritores Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e sua esposa Zelda Fitzgerald, o músico Cole Porter, os surrealistas Salvador Dalí, Luis Buñuel e Man Ray, o pintor Pablo Picasso e sua musa e amante Adriana (Marion Cotillard), ex-amante dos pintores Modgliani e Braque, diga-se de passagem.
    Gil logo se vê encantado pela bela Adriana e busca formas de conquistá-la. Adriana por sua vez, é fascinada pela Belle Epóque, e quando ambos retornam para 1890, encontrando figuras como T.S. Eliot e Toulouse Lautrec, Adriana se vê tão encantada que decide que ali deseja permanecer. Todo deslumbre anterior é questionado a partir da bela constatação sobre a insatisfação das pessoas, sobretudo os jovens, com sua própria geração. E em meio à moda vintage, retrô, kitsch... mas também de maneira bastante otimista, Woody Allen mais uma vez nos faz refletir sobre nós mesmos. Com uma fotografia deslumbrante, uma trilha sonora impecável, como já é de praxe na rica filmografia de Woody Allen, e um elenco afiado e completamente entrosado, Woody Allen nos permite sonhar e a desejar infinitamente uma meia-noite em Paris como as de Gil Pender, mas também nos faz reconhecer que a realidade pode ser igualmente maravilhosa.


Salma Nogueira.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Feliz Natal


    Em “Feliz Natal”, o primeiro longa-metragem de Selton Mello como diretor e roteirista cinematográfico, filme de 2008, ao contrário do que muitas pessoas podem achar, Selton Mello não quer nos mostrar o drama que é passar o Natal em família, nem o quanto entende de cinema  com uma câmera sempre inquieta, a perder tempo retratando o aparentemente banal, diálogos sem sentido, com closes e planos detalhes que buscam a dor e a desgraça das personagens. Na verdade ele se utiliza desses recursos para nos apresentar a personagens terrivelmente solitários que são obrigados a conviver uns com os outros, mas que ao mesmo tempo não demonstram empatia alguma. Recursos esses, brilhantemente utilizados também por Sofia Copolla (As Virgens Suicidas; Encontros e Desencontros), o que por vezes acaba dando ao filme um ar chato e monótono, mas que ao longo da projeção se justificam perfeitamente, nos apresentando as personagens e seus vazios cotidianos.
   Por colocar em foco um drama familiar, os mais pessimistas podem concluir que a intenção é demonstrar a família como uma instituição falida e desgastada, ledo engano. A família é colocada aqui, como uma metáfora da sociedade, pessoas que de alguma maneira devem coexistir, devido a convenções sociais ou mesmo infelizes necessidades, mas apenas se suportam. Cada personagem apresenta seu drama próprio e todos são fundamentais na obra. A mãe (Darlena Glória) que busca no álcool a fuga de uma vida infeliz, demonstrando também, por vezes, uma relação insestuosa com o filho Caio (Leonardo Medeiros), personagem condutor da trama, dono de um ferro velho no interior, que volta a cidade para rever a família e os amigos noa noite de natal. Tal contato nos revela o quanto Caio levava uma vida desregrada no passado, buscando no presente, a remição consigo mesmo. Caio apresenta um claro conflito com o pai (Lúcio Mauro), o qual relaciona-se com uma pessoa mais nova, de maneira a buscar uma reafirmação pessoal, mas sem dar muita importância a essa relação, demonstrando ainda uma forte aversão à ex-mulher. Há ainda, os dois irmãos de Caio e suas respectivas famílias, compostas por suas esposas e filhos, dando mais força aos conflitos interpessoais desenvolvidos ao longo dos 100 minutos de projeção.
   Com uma sólida carreira como ator, com interpretações inesquecíveis como em “O Auto da Compadecida”, “O Cheiro do Ralo”, entre outras obras maravilhosas protaginizadas por Selton Mello, em “Feliz Natal” ele demonstra que não é apenas um excelente ator. Mesmo abordando um tema já amplamente visitado por filmes memoráveis como o estranhamente belo “Vocês, os Vivos” do sueco Roy Andersson, ou mesmo diretores imortais como Michelangelo Antonioni em sua trilogia sobre a incomunicabilidade (A Aventura; A Noite; O Eclipse) e Ingmar Bergman, em praticamente toda sua obra, mas sobretudo na trilogia do silêncio (Através de um Espelho; Luz de Inverno; O Silêncio), Selton Mello nos permite ver que as relações humanas são sempre temas instigantes e ricos em significados, que variam de acordo com o espectador. Compondo um filme cheio de desencontros e questionamentos que podem ser simplificados na fala de uma das personagens do belo filme “As Lágrimas Amargar de Petra Von Kant” do alemão Rainer Werner Fassbinder: “O ser humano não nasceu para viver só, mas ainda não aprendeu como viver junto”.



*Texto dedicado a Dario Façanha.                                   


                                                                                                                          Salma Nogueira.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O Sonho de Cassandra

   Em seu terceiro filme produzido em Londres, Woody Allen reafirma e ao mesmo tempo inova, seu peculiar estilo cinematográfico, aprimorado a cada novo filme de seus mais de quarenta anos de carreira. Reafirma quando nos apresenta a personagens extremamente bem desenvolvidos e que no caso desse filme, apresentam total entrosamento ao desenvolver personagens complexos. Reafirma ainda, ao colocar como plano de fundo a bela cidade de Londres, o filme é basicamente feito em locações externas, acompanhado de uma trilha sonora que não deixa a desejar, bem ao estilo Woody Allen. Mas desde “Scoop – O Grande Furo” (2006), primeiro filme rodado em Londres e último filme no qual Woody Allen atuou, mesmo com o ar cômico de seu personagem habitual, já podemos sentir um ar sombrio que tem rondado seus filmes desde então.
    Com uma filmografia tão extensa, Woody Allen se reinventa a cada novo filme e tem a total liberdade de experimentar e ousar o quanto quiser, poucos tem essa vantagem, e ele sabe utilizá-la muito bem, isso é inegável. A seqüência “Match Point” (2005), “O Sonho de Cassandra” (2007) e “Vicky Cristina Barcelona” (2008), são filmes com extrema carga emocional, e no que diz respeito a construção de personagens, Woody Allen é mestre. Já em seus dois últimos filmes, “Tudo Pode Dar Certo” (2009) e “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos” (2010), o ar sombrio que rondava seus filmes desde seu primeiro longa rodado em Londres, dá lugar a um humor leve e delicado, presente no cotidiano de personagens, que de uma maneira ou de outra, buscam a felicidade, querem acertar, aprender com os erros, são como nós, espectadores.
   A obra em questão nos coloca diante dos irmãos Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell), os quais unindo suas economias e a longas prestações, logram adquirir um barco de segunda mão, o qual denominam aleatoriamente de “O Sonho de Cassandra”, que simbolicamente nos remete ao mito grego de Cassandra, a mulher que recebeu o dom de prever o futuro ao mesmo tempo em que é castigada com infelicidade de que ninguém jamais acreditaria em seus presságios. Os irmãos tem objetivos e estilos de vida distintos, sendo que Ian ajuda o pai (John Benfield) a administrar o restaurante da família, mas sonha alto, sempre almejando carros de luxo, viagens e ambiciosos investimentos, tudo ganha uma  dimensão ainda maior quando Ian conhece a bela atriz iniciante Angela Stark (Hayley Atwell). Já Terry, trabalha em uma oficina mecânica e cultiva modestos sonhos ao lado da namorada Kate (Sally Wawkins), mas paralelo a isso, Terry é viciado em jogos de azar, sendo sua sorte, visivelmente instável. 
    Mesmo com todas as diferenças e a seu modo, os irmãos padecem do mesmo mal, querem mais do que podem ter. E isso se agrava à medida que Terry perde o controle sobre o vício do jogo e Ian deixa-se envolver cada vez mais por Angela. Como única saída os irmão buscam a ajuda do bem sucedido tio Howard (Tom Wilkinson), que de tão mencionado até nos remete ao filme "Meu Tio da América" (Alain Resnais, 1980), parecendo esse mais um ideal, uma utopia do que um ser real de fato. Tão real que dá rumos significativos e perturbadores a vida dos irmãos Ian e Terry.
    Obtendo sucesso de maneira ilegal, Howard teme ser desmascarado e sentindo-se ameaçado, em troca da ajuda financeira proposta pelos sobrinhos, Howard pede que esses eliminem Martin Burns (Philip Davis), o sócio que ameaça sua credibilidade, frente aos negócios. É então que Woody Allen começa a questionar os conceitos de moral das personagens e os nossos próprios, aliando isso à aceleração rítmica do filme. E como Terry diz ao irmão:  "Isso é um caminho sem volta". Os caminhos são distintos e irreversíveis de fato, o que nos leva a um desfecho de certa forma, sombrio e pessimista, mas também único e inesperado. É cinema, é Woody Allen e só isso já são pré-requisitos para não esperar nada menos que um ótimo filme.

Salma Nogueira.
    

 *Texto dedicado a Samy Twist.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Volver


   A morte sempre é um assunto largamente abordado na obra do cineasta espanhol  Pedro Almodóvar, mas ele nunca a tratou de maneira tão sensível e delicada como em “Volver” um filme de 2006. A morte sempre dá diferentes resoluções e tem diferentes propósitos na obra de Almodóvar, comparando um de seus primeiros longa metragens “Matador” de 1986, que nos conta a história de um toureiro precocemente aposentado, Diego Montes (Nacho Martínez) e uma advogada, María Cardenal (Assumpta Serna), na qual ambos sentem um estranho prazer sexual na morte. E seu último filme produzido até então, “Abraços Partidos” de 2009, que conta a história de Mateo Blanco (Lluís Homar) que perdeu simultaneamente a visão e sua grande paixão  em um acidente de carro. Passando ainda por obras maravilhosas como “Tudo Sobre Minha Mãe”(1999), “Fale Com Ela”(2002) e “Má Educação”(2004) que utilizam a morte de maneira significativa, dando novos destinos a vida dos personagens.
   Profundo admirador do universo feminino, Almodóvar sempre nos coloca diante de mulheres extremamente fortes e independentes. Sempre buscando meios de homenagear as mulheres em seus filmes, afirmando que sem elas, suas obras não existiriam, admitindo ainda que sua vocação é ser o primeiro espectador delas. Em “Má Educação” ele faz isso, por meio das personagens homossexuais, que travestidos de mulher, expressão seu eu feminino reprimido. Isso, sem falar das famosas cores de Almodóvar presentes desde a cenografia, às vestes e maquiagens das personagens, definindo personalidades distintas e individualmente fortes.
      Em “Volver” não é diferente, e o elenco é inteiramente feminino, sendo que um dos poucos homens que aparecem na história, morre logo no início do filme, mostrando-se totalmente descartável para o desenvolvimento da obra em questão. É o marido de Raimunda (Penélope Cruz), uma jovem mãe que exerce vários trabalhos para sustentar a casa, o marido bêbado e desempregado e a filha adolescente. Raimundo é a irmã mais nova de Sole (Lola Dueñas), uma mulher que vive sozinha desde que o marido a abandonou para fugir com uma das clientes do salão de beleza ilegal que Sole mantém em casa. Ambas são filhas de Irene (Carmen Maura), a qual acreditam estar morta. Há ainda, Agustina (Blanca Portillo) prima de Raimunda e Sole, que busca notícias do paradeiro da mãe desaparecida.
   Com um roteiro brilhante do próprio Almodóvar, ele nos mostra que a morte pode sim dar caminhos inesperados a vidas talvez desinteressantes. “Volver” desenvolve o que Almodóvar faz de melhor, nos mostrar dias extraordinários, no cotidiano de mulheres totalmente possíveis. Abusando da sensualidade e do poder que suas atrizes têm de conquistar o público, Almodóvar nos emociona mais uma vez, com uma história cruel, como várias que ele imortalizou, mas que certamente poderiam ser reais.
    

Salma Nogueira.