quinta-feira, 7 de abril de 2011

Feliz Natal


    Em “Feliz Natal”, o primeiro longa-metragem de Selton Mello como diretor e roteirista cinematográfico, filme de 2008, ao contrário do que muitas pessoas podem achar, Selton Mello não quer nos mostrar o drama que é passar o Natal em família, nem o quanto entende de cinema  com uma câmera sempre inquieta, a perder tempo retratando o aparentemente banal, diálogos sem sentido, com closes e planos detalhes que buscam a dor e a desgraça das personagens. Na verdade ele se utiliza desses recursos para nos apresentar a personagens terrivelmente solitários que são obrigados a conviver uns com os outros, mas que ao mesmo tempo não demonstram empatia alguma. Recursos esses, brilhantemente utilizados também por Sofia Copolla (As Virgens Suicidas; Encontros e Desencontros), o que por vezes acaba dando ao filme um ar chato e monótono, mas que ao longo da projeção se justificam perfeitamente, nos apresentando as personagens e seus vazios cotidianos.
   Por colocar em foco um drama familiar, os mais pessimistas podem concluir que a intenção é demonstrar a família como uma instituição falida e desgastada, ledo engano. A família é colocada aqui, como uma metáfora da sociedade, pessoas que de alguma maneira devem coexistir, devido a convenções sociais ou mesmo infelizes necessidades, mas apenas se suportam. Cada personagem apresenta seu drama próprio e todos são fundamentais na obra. A mãe (Darlena Glória) que busca no álcool a fuga de uma vida infeliz, demonstrando também, por vezes, uma relação insestuosa com o filho Caio (Leonardo Medeiros), personagem condutor da trama, dono de um ferro velho no interior, que volta a cidade para rever a família e os amigos noa noite de natal. Tal contato nos revela o quanto Caio levava uma vida desregrada no passado, buscando no presente, a remição consigo mesmo. Caio apresenta um claro conflito com o pai (Lúcio Mauro), o qual relaciona-se com uma pessoa mais nova, de maneira a buscar uma reafirmação pessoal, mas sem dar muita importância a essa relação, demonstrando ainda uma forte aversão à ex-mulher. Há ainda, os dois irmãos de Caio e suas respectivas famílias, compostas por suas esposas e filhos, dando mais força aos conflitos interpessoais desenvolvidos ao longo dos 100 minutos de projeção.
   Com uma sólida carreira como ator, com interpretações inesquecíveis como em “O Auto da Compadecida”, “O Cheiro do Ralo”, entre outras obras maravilhosas protaginizadas por Selton Mello, em “Feliz Natal” ele demonstra que não é apenas um excelente ator. Mesmo abordando um tema já amplamente visitado por filmes memoráveis como o estranhamente belo “Vocês, os Vivos” do sueco Roy Andersson, ou mesmo diretores imortais como Michelangelo Antonioni em sua trilogia sobre a incomunicabilidade (A Aventura; A Noite; O Eclipse) e Ingmar Bergman, em praticamente toda sua obra, mas sobretudo na trilogia do silêncio (Através de um Espelho; Luz de Inverno; O Silêncio), Selton Mello nos permite ver que as relações humanas são sempre temas instigantes e ricos em significados, que variam de acordo com o espectador. Compondo um filme cheio de desencontros e questionamentos que podem ser simplificados na fala de uma das personagens do belo filme “As Lágrimas Amargar de Petra Von Kant” do alemão Rainer Werner Fassbinder: “O ser humano não nasceu para viver só, mas ainda não aprendeu como viver junto”.



*Texto dedicado a Dario Façanha.                                   


                                                                                                                          Salma Nogueira.