“Soul Kitchen”, filme de 2010 do diretor turco-alemão Fatih Akin (Conta a Parede; Do Outro Lado), é de um apuramento estético primoroso, que aliado a atuações descontraídas e pouco compromissadas com qualquer formalidade, dão o tom leve e bem humorado do filme. Zinos Kazantsakis (Adam Bousdoukos) é o dono do restaurante que recebe o nome de “Soul Kicthen”, pois Zinos é um grande apreciador da música soul, gênero musical com influencia do rhythm and blues e do gospel, tal estilo surgiu entre as décadas de 1950 e 1960 entre os negros norte americanos. Tal apreço é facilmente detectado, não unicamente pela magistral trilha sonora que rege o filme do inicio ao fim, a qual não é unicamente composta pelo gênero soul e deve-se ressaltar a bela presença de músicas gregas, mas também pela vestimenta e pela decoração da residência em vão livre, de Zinos.
O grego com pouca prática culinária, ganha a vida com um cardápio a base de comida congelada, que ele próprio afirma não gostar, mas logra a satisfação dos clientes com pouco apuro gustativo que freqüentam seu estabelecimento diariamente. O restaurante emprega ainda os garçons Lutz (Lukas Gregorowicz) e Lucia (Anna Bederke), Zinos ainda “aluga” um pequeno galpão para o inquilino inadimplente Sócrates, que além que não pagar o aluguel, come a vontade no restaurante. Nesse contexto se desenrola um roteiro muito bem amarrado, cheio de altos e baixos que dão comicidade ao filme, como a proposta de Illias (Moritz Bleibtreu), irmão de Zinos, assaltante que cumpre pena em regime semi-aberto e precisa da ajuda do irmão de maneira a alegar que é um empregado (“de fachada”) do restaurante. Ou Shayn Weiss (Birol Ünel), chefe de cozinha contratado por Zinos quanto este fratura a coluna tentando deslocar a máquina de lavar louças que na verdade, as quebrava. Além de pendências financeiras com o governo, ainda há a insistência inconveniente de Thomas Neumann (Wotan Wilke Möhring) corretor imobiliário, ex-colega de escola de Zinos, que faz de tudo para prejudicar seus negócios, com o intuito de comercializar o prédio que abriga o restaurante que dá nome ao filme.
Shayn dá um novo significado ao nome do estabelecimento, “Soul Kitchen” ou comida para a alma, alterando não só o cardápio, mas também o público que freqüenta o lugar. Todos ligados ao restaurante têm outros planos na vida, ambições altas demais que justificam a falta de interesse em fixar-se ali de maneira mais estável, mas ao longo do filme, todos se revelam invariavelmente dependentes do espaço, pelas relações, sobretudo sociais, que ali se estabelecem. Lutz é músico, e utiliza-se gratuitamente do espaço para os ensaios com sua banda, Sócrates passa horas, dia e meses a cuidar de um barco que, ao que tudo indica, jamais deixará aquele galpão para singrar mar algum ou qualquer água que seja. Lucia alega estar destinada a ser pintora profissional, Shayn diz ter experiência suficiente para não querer administrar um restaurante e apenas na cozinha permanecer, e em meio a tudo isso, Zinos precisa encontrar alguém para gerenciar o lugar, que de maneira alguma ele pretende vender, para mudar-se a Xangai, ao encontro da namorada Nadine (Pheline Roggan).
Os problemas cercam o restaurante “Soul Kitchen” se misturando e confundindo com os problemas pessoais de Zinos, que por vezes parece estar em um beco sem saída. E Zinos, dança... Sim, porque assim recomendou a fisioterapeuta Anna (Dorka Gryllus), indicação da namorada Nadine, para ajudá-lo a amenizar as fortes dores de sente nas costas. A fotografia do filme é deslumbrante, tal qual a visão que Zinos tem da cidade alemã de Hamburgo, da janela de sua casa. A movimentação de câmera é de igual significância, original a ponto de acompanhar o ritmo da música que a banda de Lutz toca na primeira noite que o cardápio de Shayn é degustado com o mesmo respeito com que é preparado, e de dar um 360° nos irmãos Kazantsakis, que dançam sem se preocupar com o tempo que parece passar ao seu redor sem que os dois percebam. Por fim, “Soul Kitchen” é um filme que satisfaz a alma das pessoas que esperam mais do cinema, que ao fim do filme estão com uma gostosa sensação de bem estar, um leve sorriso no canto da boca, e um gostinho de quero mais enquanto acompanham os créditos dispostos de maneira original e criativa.
Salma Nogueira.