
“Nascido Para Matar” (Full Metal Jacket), de 1987, o penúltimo filme do diretor, não é apenas um filme de guerra, é uma crítica a ela. Logo no início do filme, acompanhamos uma longa seqüência, bem ao estilo do mestre, em que vários rapazes têm suas cabeças raspadas, e nos deparamos com o primeiro choque da guerra, a perda da identidade. Identidade essa, readquirida posteriormente, através de humilhantes denominações, atribuídas aos rapazes pelo nada gentil Sargento Hartmann (R. Lee Ermey). As humilhações verbais acabam tornando-se brandas após o exaustivo treinamento e as nada éticas lições discorridas pelo fascista, machista e intolerante Sargento Hartmann, o que nos leva a segunda evidência da guerra, a alienação.
Aos poucos acompanhamos a transformação dos garotos em máquinas de guerra. Nem mesmo os que se mostram mais destemidos frente ao cruel treinamento, são reconhecidos ou menos humilhados. Como é o caso do recruta Joker (Matthew Modine) ou do inteligente recruta Cowboy (Arliss Howard). O que dirá o gorducho e medroso recruta Pyle (Vincent D'Onofrio), suas trapalhadas eram o principal motivo do constante desgosto do Sargento Hartmann, o que por sua vez, prejudicava o pelotão inteiro. E quando finalmente consegue destacar-se em alguma coisa, já era tarde de mais, a mente fraca do rapaz já tinha cedido aos infortúnios da guerra.

Utilizando-se de locações reais, as ruínas que são o plano de fundo das batalhas, não são cenográficas, Kubrick nos apresenta a guerra, como ela é de fato, sem engrandecer o nacionalismo americano, sem o patriotismo exacerbado corriqueiro em filmes do gênero. Entre tantas contradições que ironizam a própria guerra, como Joker, que usa um botton da paz no peito e um capacete onde se lê “Born to Kill”, que acabou intitulando a obra, quando esta foi traduzida para o português, ao invés do nome original “Full Metal Jacket” que faz referência ao tipo de munição usada no Vietnã, em que o projétil é revestido por chumbo. Há ainda a figura da mulher, que na hora da morte, reza, após ser tão subjugada durante todo filme, revela-se como a inesperada algoz do mesmo. E entre tantas perdas físicas, psicológicas, emocionais, ao fim da guerra fica a pergunta: Quem perdeu menos?
Salma Nogueira.